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SOBRE EDUCADORES E CARPINTEIROS

Certa vez, um famoso carpinteiro amigo de meu pai fez um belíssimo cofre de madeira e lhe deu de presente. Era um cofre especial: possuía duas portas, sendo, uma delas, secreta. Em casa, papai nos disse:

— Crianças, no interior desse cofre há uma boa grana. Ele encontra-se fechado, mas há uma porta, secreta, que não necessita de chaves para ser aberta. Quem descobrir fica com ela.

Papai depositara toda sua confiança no talento de seu amigo carpinteiro, e ele estava certíssimo. Ninguém conseguiu descobri-la. Mas ela estava lá, no fundo do cofre, cheia de parafusos falsos. Era só deslocá-la para o lado e empurrar com o dedo um triângulo quase imperceptível na base do fundo.

Hoje, ao trazer de volta a lembrança do carpinteiro amigo de meu pai, faço aqui um paralelo entre ele e nós educadores.


Sobre Nelson:

A solicitação do serviço: era sempre um momento importante. De um lado, havia alguém que solicitava o serviço, descrevia o objeto a ser construído e o fazia impregnando de sentimento cada detalhe da descrição, com uma expectativa enorme no que Nelson teria a dizer. Do outro lado, estava Nelson, em estado de escuta, olhar compenetrado, atento a tudo. Ao final da descrição, sorria e costumava dizer: farei tudo o que estiver ao meu alcance para deixá-lo feliz.

A satisfação diante do objeto feito: impossível era conter o prazer, a alegria, o encantamento. O que sempre chamava a atenção era o design. Havia sempre um toque de beleza espalhado sobre o objeto inteiro. Um detalhe aqui, outro ali, e assim Nelson deixava traços de sua alma no objeto. Naquele lugar, todos sabiam que ele fazia as coisas do amanhã.

O humor, a alegria e a simplicidade de sua pessoa: Nelson não era apenas dono de uma competência técnica admirável. Era, antes de tudo, uma pessoa formidável e divertida. Mesmo no exercício de seu trabalho, sabia combinar muito bem humor e ação. Vê-lo trabalhando era sempre um prazer. Perdíamos completamente a noção do tempo.

Gostar de inventar: por fim, Nelson era alguém que estava sempre inventando, fazendo algo novo, diferente. Penso que havia em si certa inquietude; um olhar curioso, sensível e pensante; um profundo desejo de surpreender as pessoas com seu trabalho.


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Sobre nós:

O que podemos aprender com Nelson? Quais são os desafios do nosso tempo, na vida pessoal e profissional? É claro que há um aspecto fundamental a ser considerado entre o trabalho de um carpinteiro e o de um educador: madeira e gente são coisas completamente diferentes. Gente não se submete passivamente à ação de ninguém. Mas não nos esqueçamos de que o carpinteiro não lida apenas com a madeira. Não é a madeira quem lhe diz como quer ser moldada: são as pessoas. No imaginário destas, residem duas ideias: a da madeira bruta e a da personalizada, elegante e polida. Então, o carpinteiro é alguém que intervém nas ideias e desejos das pessoas, e esta é uma ação delicada.

A educação ativa em nós o desejo de ser uma pessoa melhor a cada dia. Somos de um jeito e podemos melhorar, sempre. O educador tem em suas mãos a possibilidade de ajudar as pessoas a realizar esse desejo. Quem estuda está, de certo modo, partilhando a intimidade de seu ser, na esperança de vir a ser uma pessoa cada vez mais bela. A ação de educar é um verdadeiro presente, não no sentido de algo que se ganha de alguém mas daquilo a que se dá muito valor. É por isso que não há prática educativa alheia ao diálogo. Dialogando, as pessoas evidenciam suas necessidades, seus desejos, seus sonhos. Educar, educar-se, acredito, é um pouco isso. O ato de educar é, por excelência, um convite permanente à criação. Criação que se funda na práxis educativa, que vê no velho o gérmen do novo, e sabe, humildemente, ver o novo envelhecer, num contínuo processo dialético.




Por Cícero Leão da Cunha.

 
 
 

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